Direito penal da concorrência: a tutela da liberdade concorrencial e a criminalização do cartel

Abstract

O presente trabalho tem como objetivo fundamental equacionar a necessidade de tutelar determinadas ofensas graves à liberdade de concorrência, em particular o cartel, através do recurso ao direito penal. Coloca-se, por isso, num ponto onde se entrecruzam distintas realidades, por vezes difíceis de harmonizar: de um lado, não prescinde de uma análise, ainda que perfunctória, dos postulados essenciais da concorrência entendida enquanto conceito da ciência económica; de outro, procura mais longe e mais fundo a sua razão de ser, compreendendo-a como verdadeira componente fundamental da democracia e afirmando o seu papel sociopolítico no atual Estado de Direito. Abalançamo-nos então na definição dos contornos jurídicos da realidade, procurando situar histórica e geograficamente o dealbar do direito da liberdade de concorrência. Iniciamos a viagem pelos EUA, pátria primeira do direito da concorrência, seguindo depois caminho pela Europa, em particular pela Alemanha e pelo projeto de União do velho continente. Terminamos o percurso com a apreciação da evolução do direito da concorrência em Portugal, seu surgimento e principais caraterísticas, exigências constitucionais e configuração contemporânea. Assim gizado o quadro institucional e legal em que nos movemos, nacional e internacionalmente, e detetada uma oposição de base entre os modelos norte-americano e europeu de proteção da concorrência, procuramos averiguar se o nosso tratamento jurídico do problema se apresenta como satisfatório ou se, pelo contrário, exibe falhas a necessitar de colmatação. À verificação de que um número cada vez mais sonante de vozes tem vindo a exigir um reforço dos meios de reação contra a mais grave das práticas restritivas da concorrência, o cartel «hard core», analisamos, então, a possibilidade de, entre nós, serem criminalizados estes comportamentos. Para o fazer, indagamos primeiro acerca dos pressupostos sócio-criminológicos que possam sustentar essa opção, concluindo que criminalidade económica partilha um conjunto de caraterísticas que podem ser encontradas naquelas condutas, nomeadamente no que tange com o especial papel desempenhado pela empresa neste quadro e eventual necessidade de uma responsabilização da pessoa coletiva. Para considerar uma tal ingerência criminal está legitimada, não podemos deixar de perguntar-nos sobre o bem jurídico que lhe subjaz, sua dignidade penal e necessidade de tutela, nas intrínsecas relações que tais qualidades estabelecem com a ordem axiológica constitucional. Adentramos então as portas do direito penal e procuramos caraterizar o crime de cartel sob as suas múltiplas vertentes, detalhar os seus elementos típicos, sublinhar os nós górdios que teremos de deslindar se pretendermos efetivar a sua proteção jurídico-penal, acabando por propor uma configuração do tipo incriminador de cartel.

This work aims to equate the need to protect certain serious offenses against the freedom of competition, in particular cartel, though the use of the criminal law. It places itself, therefore, at the intersection of distinct realities, sometimes difficult to reconcile: on one hand, does not dispense an analysis, albeit perfunctory, of the essential tenets of competition as an economical science; on the other hand, seeks further and deeper its reason, understanding it as a fundamental component of true democracy and asserting its sociopolitical role in the current State of Law. Under these assumptions, we aim to define the legal contours of this reality and the respective guardianship, seeking to situate historically and geographically the dawn of the right of freedom of competition. We started this trip in the United States of America, first homeland of competition law, heading then to Europe, in particular Germany and the EU project of the old continent. We end, inevitably, with an analysis of the development of competition law in Portugal, its emergence and main characteristics, constitutional requirements and contemporary settings. Thus, after setting the legal and institutional framework in which we move, nationally and internationally, and having found a fundamental opposition between the North American model for protection of competition – based on criminal oversight – and the European ways – historically grounded in administrative protection –, we seek to ascertain whether our legal treatment of the problem is presented as satisfactory or whether, by contrast, shows flaws in need of clogging. Noticing that an increasing number of voices have been urging a strengthening of reaction measures against the most serious anti-competitive practices, the «hard core» cartel, we then analyze the possibility of criminalize such behavior amongst us. To do so, we start by inquiring about the socio-criminal assumptions that may support this option, concluding that economic crimes share a set of features that can be found in those behaviors, particularly in relation to the special role played by corporation in this framework and the eventual need to make liable the legal person. Considering, however, that such criminal interference is legitimated, we must ask ourselves about the legal asset that underlies it, the criminal dignity and need for guardianship, in the intrinsic relationships that such qualities establish with the constitutional axiological order. Given the current regulatory paradigm crisis, we enter the criminal law doors and seek to characterize the crime of cartel in its many aspects, detailing their typical elements, underline the core issues we must unravel if we aim to effect its juridical and penal protection. We propose, thus, a configuration for the incriminating type of cartel, as we believe can be introduced into our legislation, leaving clues and questions about the way forward.