Políticas educativas e avaliação das aprendizagens em Angola: Discursos e práticas de professores

Abstract

A problemática da avaliação das aprendizagens no contexto das políticas e reformas educativas e a sua tradução ou recontextualização no contexto da prática docente despertaram-me, há alguns anos, o interesse de as compreender melhor, quer como professor, quer como investigador. Foi sobretudo com essa preocupação que realizei este estudo sobre as políticas para a educação em Angola e a sua receção pelos professores do ensino básico obrigatório das escolas públicas. Quando confrontado o conhecimento pessoal e experiencial da realidade educativa em Angola, com o conteúdo de alguns normativos legais (alguns dos quais bastante avançados em termos pedagógicos), formulei a seguinte hipótese de trabalho: a ação concreta das práticas avaliativas e as orientações políticas para a ação educativa articulam-se, frequentemente, de forma tensa e, por vezes, contraditória. Com algumas exceções, esta investigação confirmou amplamente esta hipótese de trabalho. Com efeito, para além do meu próprio estudo, alguns trabalhos de diferentes autores, dos quais fui tendo conhecimento ao longo do tempo, bem como a análise que realizei de diferentes textos e documentos oficiais, indicam que existem as discrepâncias atrás referidas e que isso se deve não apenas a condições materiais das escolas, como também a lacunas e défices de formação de professores em avaliação, particularmente no que diz respeito à avaliação das aprendizagens – sendo esta, precisamente, uma problemática central à atual reforma educativa. A contextualização mais ampla da avaliação nas políticas e reformas noutros países exigiu uma incursão, ainda que breve, sobre outras realidades (neste caso, as de Portugal, Brasil, Moçambique e Cabo Verde), no pressuposto de que, para além da presença de traços, mais ou menos idênticos, que fazem parte das agendas contemporâneas de avaliação, também iria encontrar especificidades que mostram como continua a fazer sentido perceber as realidades nacionais. E desse conhecimento comparativo resultaram algumas inquietações que motivaram a compreensão das políticas de avaliação em Angola, tendo em mente, mais concretamente, o Sistema de Avaliação das Aprendizagens do ensino básico obrigatório e, entre outros aspetos, as opiniões e discursos de professores sobre as políticas de avaliação e as respetivas práticas no quotidiano da escola e da sala de aula. Para o efeito, para além da análise de documentos, realizei um estudo qualitativo de natureza não exclusivamente descritiva que permitiu perceber as principais tendências, mas também estabelecer algumas relações estatísticas entre as variáveis (independentes e dependentes) escolhidas. Para analisar o sistema de avaliação das aprendizagens utilizei os normativos legais, e as informações empíricas foram obtidas através da aplicação de um inquérito por questionário a uma amostra intencional, constituída por 356 professores das escolas primárias. Essas informações foram também complementadas com entrevistas semiestruturadas feitas a 12 professores, entre os quais um diretor pedagógico. Com base na análise triangulada das informações, concluí que a Educação pública em Angola precisa ser assumida com maior clareza como prioridade nas políticas do Estado, uma vez que várias insuficiências no ensino obrigatório continuam a revelar a ineficácia da reforma educativa, tendo esta também sido considerada pelos inquiridos como uma decisão top-down, sem o desejável envolvimento dos agentes educativos. Por outro lado, percebe-se alguma ambiguidade nos próprios normativos sobre a avaliação, uma vez que parecem sugerir a importância de uma avaliação mais formativa e não centrada na classificação, mas, ao mesmo tempo, não deixam de dar relevo a procedimentos avaliativos mais classificatórios. Neste sentido, por exemplo, a avaliação formativa/contínua é uma modalidade pouco clarificada na sua verdadeira intencionalidade. Não admira, portanto, que a existência de alguma ambiguidade nas conceções e orientações legais, e a ausência de formação específica em avaliação, expliquem, pelo menos em parte, que, na perspetiva da maior parte dos professores inquiridos, avaliar continue a ser sinónimo de medir e testar os conhecimentos dos alunos, mantendo-se, assim, subjacente a perspetiva de uma pedagogia transmissiva e memorística, que sempre este presente no ensino em Angola. Por estas e outras razões, o presente estudo pretende não apenas compreender mas também reforçar a necessidade de encarar com maior determinação política e pedagógica os desafios (estruturais e não estruturais) do sistema educativo angolano.

The issue of evaluating learning processes within educational polices and reforms as well as their understanding or contextualization in the teaching practice setting has raised my awareness and interest, for years, in understanding them clearly, both, as a teacher and as a researcher. It was mainly with this concern that I carried out this study on the policies for education in Angola and their acceptance by practitioners, mainly, teachers of basic education from public schools. When confronted with the received knowledge and experiential knowledge within the Angolan educational system, with regard to some legal standards/norms (some of them very conceptual in pedagogical terms), I drew/formulated the following hypothesis: the concrete action of the evaluative practices and the political decisions/orientations for the educational action are often articulated in a tense and, sometimes, in a contradictory way. Though not totally (i.e. with some exceptions), the study, to some extent, has confirmed the hypothesis. What else, in addition to the insights gathered from the research, I viewed a considered number of different bibliographies from different authors and I also examined different official texts and papers. These references have revealed an agreement concerning the discrepancies mentioned above and that this is not only the result of school conditions, but they also derive from the gaps and deficiency in teacher training programs of our target group, particularly with regard to the evaluation of learning processes, the central topic of the current educational reform. Experiences of broader contextualization of evaluation in Educational policies and reforms programs from other countries (e.g. Brazil, Cape Vert, Mozambique and Portugal) have offered me an interest to undergo a brief exploration onto their reality, assuming that, besides the traits observed, somehow similar, believed to be part of the contemporary evaluation agendas, there would also be found specificities that show how it continues making sense in perceiving the local realities. And from this comparative knowledge, there were some concerns which motivated the understanding of the evaluation policies in Angola, taking into consideration the trainee’s assessment system in the basic education and, among other aspects, the teachers’ opinions and perceptions about assessment policies and their practices in the school routines and in the classroom. For this purpose, apart from what I have already mentioned above, I also conducted a qualitative study of a non - descriptive nature that allowed me to perceive the main trends, but also to establish some statistical relationships between the variables (independent and dependent) chosen. In order to analyze the learning evaluation system, I used the legal norms, and the empirical information was obtained through the application of a questionnaire survey to an intentional sample of 356 primary school teachers. The data was also supplemented by semi-structured interviews to 12 teachers, including a pedagogical director. Based on the triangulated analysis of the data, I concluded that Public Education in Angola needs to be considered more seriously as a priority in the State's policies, since several shortcomings in Basic Education continue revealing the ineffectiveness of the educational reform, which respondents also considered as a top-down decision, lacking such a desirable involvement from educational agents. On the other hand, evaluation standards seem to reveal some ambiguity, as they seem to emphasize the importance of formative assessment rather than that centered in the classifying. Nevertheless, they do not seem to fail in emphasizing on more qualifying evaluation procedures. In this sense, for example, the formative / continuous evaluation can be considered as a less clarified modality in its natural sense. It is, therefore, not surprising that the existence of some ambiguity in the legal concepts and guidelines, and the lack of specific training in evaluation, explain, at least, that, from the most interviewed teachers’ perspective, evaluation continues to be synonymous of measuring and testing of the students' knowledge. Thus, evaluation is still underlining the transmissive and memoristic conceptions of pedagogy that has always been implemented in teaching in Angola. For these and other reasons, the present study intends not only to understand but also to reinforce the need to face with greater political and pedagogical determination the challenges (structural and non-structural) of the Angolan educational system.