A promoção da literacia na Europa: iniciativas políticas e suas implicações no plano educativo português

Abstract

Nas últimas décadas, variadíssimas conceptualizações de literacia têm sido usadas para justificar as diversas reformas operadas nos sistemas educativos. A mais proeminente entende a literacia como um conjunto de ‘skills’ descontextualizados, enfatizando a sua relação direta/intrínseca com o progresso socioeconómico das comunidades. Segundo a ‘Actor-Network Theory’ (Latour, 2005), trata-se de uma ‘black-box’ (pressuposto), transformada numa verdade universal, cujos ‘spokesperson’ – UNESCO, OCDE e UE – usam os resultados considerados ‘problemáticos’ do PIRLS, PISA e PIAAC como ‘ponto de passagem obrigatório’, no ‘processo de tradução’ de levar os países a tomarem medidas, visando a elevação dos ‘níveis’ de literacia das populações e, consequentemente, o crescimento socioeconómico. Em Portugal, por exemplo, desde 2000, várias iniciativas têm sido desenvolvidas, tais como o Plano Nacional de Leitura (PNL), com as finalidades de promover a literacia entre a população escolar e melhorar a posição do país nos ‘rankings’ das avaliações internacionais. O presente texto visa, em primeiro lugar, descrever 137 exemplos de programas, projetos, medidas políticas de literacia de Portugal, Espanha, Grécia, Roménia e Irlanda, quanto a objetivos, atores, contextos, atividades e recursos. Através da análise de conteúdo dos documentos recolhidos para cada iniciativa, identificam-se as semelhanças e diferenças e as abordagens de literacia a elas subjacentes. Num segundo momento, focando especialmente o PNL, discute-se a forma como esta iniciativa tem sido recebida e ‘recontextualizada’, ao nível do currículo e das escolas. Procedendo à meta-análise de estudos acerca do PNL e de entrevistas a professores e bibliotecários apresentam-se alguns indicadores do seu impacto no sistema educativo português, bem como os significados atribuídos à literacia nestes contextos. Em última instância, pretende-se explorar se os discursos escolares dominantes sobre a literacia, tradicionalmente sustentados pela visão autónoma (Street, 2005) ou ‘skill-focused’ (Hannon, 2000), estão ou não a ser desafiados por abordagens socioculturais que consideram fatores contextuais e a diversidade de práticas.