Perturbações do comportamento alimentar e ferimentos autoinfligidos: avaliação dos fatores de risco e desenvolvimento de uma intervenção

Abstract

A frequente comorbilidade entre perturbações do comportamento alimentar (PCA) e ferimentos autoinfligidos sem intenção suicida (NSSI), sugere que fatores de risco comuns têm um papel na etiologia e manutenção de ambas as condições. Contudo, permanece por esclarecer quais são os fatores específicos a essa comorbilidade e que relações existem entre si. As evidências também apontam para a inexistência de tratamentos específicos e empiricamente suportados para os NSSI, nomeadamente no contexto das PCA. A presente tese inclui cinco estudos. Nos dois primeiros, com uma amostra clínica com PCA, pretendeu-se avaliar a frequência dos NSSI, identificar potenciais fatores de risco para esses comportamentos no contexto das PCA e testar um modelo de relações entre esses fatores. Cerca de 33% dos participantes reportaram NSSI ao longo das suas vidas. Fatores como o abuso na infância e a agressão pelos pares foram mais comuns nos participantes com NSSI do que naqueles sem NSSI. A relação desses fatores com a presença de NSSI também foi mediada por variáveis como a autoavaliação negativa, o uso de substâncias, as tentativas de suicídio e acontecimentos de vida negativos. No terceiro estudo, com uma amostra comunitária e uma amostra clínica com PCA, examinou-se a versão Portuguesa da Invalidating Childhood Environment Scale, que apresentou adequadas propriedades psicométricas. No quarto estudo, pretendeu-se avaliar as relações entre desregulação emocional, urgência negativa, invalidação parental e NSSI no contexto das PCA. Uma maior invalidação parental foi associada à presença de NSSI e esta relação foi moderada pelas dificuldades na consciência emocional e pela urgência negativa. O quinto estudo avaliou a viabilidade e aceitação de uma breve intervenção em grupo para pacientes com PCA e história de NSSI, desenvolvida a partir de estratégias baseadas na evidência. Teve como objetivo promover competências adaptativas para lidar com dificuldades em domínios de risco para as PCA e para os NSSI: desregulação emocional, impulsividade e limitadas aptidões de resolução de problemas, dificuldades na comunicação interpessoal e baixo investimento corporal. A maioria dos participantes permaneceu na intervenção e mostrou uma elevada satisfação com o grupo e com as estratégias promovidas. Houve também uma redução dos NSSI e melhorias em dimensões da regulação emocional e do investimento corporal. No global, os resultados são promissores e contribuem para a expansão do conhecimento científico e para a sua aplicação prática.

The frequent comorbidity between eating disorders (ED) and non-suicidal self-injury (NSSI) suggests that common risk factors play a role in the aetiology and maintenance of both conditions. However, the specific factors for this comorbidity and the relationships between them remain unclear. The evidence also indicates a lack of specific and empirically supported treatments for NSSI, namely in the context of ED. The present thesis includes five studies. In a clinical sample with ED, the first two studies aimed to evaluate the frequency of NSSI, identify potential risk factors for these behaviors in the context of ED and test a model of relationships between these factors. About 33% of participants reported NSSI in their lifetime. Factors such as childhood abuse and peer aggression were more common in participants with NSSI than in those without NSSI. The relationship of these factors with the presence of NSSI was also mediated by variables such as negative self-evaluation, substance use, suicide attempts and stressful life events. In the third study, with a community sample and a clinical sample with ED, the Portuguese version of the Invalidating Childhood Environment Scale was examined, showing adequate psychometric properties. The fourth study aimed to evaluate the relationships between emotion dysregulation, negative urgency, parental invalidation and NSSI in the context of ED. A greater parental invalidation was associated with the presence of NSSI and this relationship was moderated by difficulties in emotional awareness and negative urgency. The fifth study evaluated the feasibility and acceptability of a brief groupbased intervention for patients with ED and a history of NSSI, developed from evidence-based strategies. The intervention aimed to promote adaptive skills for dealing with difficulties in risk domains for ED and NSSI: emotion dysregulation, impulsivity and poor problem-solving skills, interpersonal communication difficulties and low body investment. Most participants remained in the intervention and showed high satisfaction with the group and the learned strategies. There was also a reduction in NSSI and improvements in emotion regulation and body investment domains. Overall, the results are promising and contribute to the expansion of scientific knowledge and its practical application.