O trabalho infantil em Portugal – da realidade social ao objecto sociológico

Abstract

Antes ainda de se constituir como problemática sociológica, o trabalho infantil caracterizou-se, em Portugal, por ser um problema social como assinalável visibilidade e repercussão pública. O nosso país foi apontado como sendo um dos raros países da Europa ocidental onde a realidade da exploração do trabalho infantil tinha lugar no último quartel do século XX. No entanto, a noção de “trabalho infantil” tem sido normalmente apresentada de forma aproblemática, isto é, como um conceito “plano”, sem complexidade nem ambiguidade: uma atividade ilegal das crianças, praticada clandestinamente e socialmente condenável. A sociologização do conceito de trabalho infantil – isto é, a análise da atividade económica e social das crianças no quadro das relações sociais em que ela ocorre e na relação entre a estrutura e a ação social – constitui-se, por consequência, como uma tarefa de indispensável concretização e urgência. Uma problematização sociológica do trabalho infantil é muito recente entre nós, razão por que tem pouco eco ainda o debate que no plano académico, político e social se tem realizado em todo o mundo, o qual coloca a questão do trabalho das crianças entre, de um dos lados, as formas mais ignominiosas da exploração na sociedade capitalista e, do outro, a ideia da legitimação do trabalho precisamente como modo de resistência à exclusão a que são votadas algumas camadas populares mais desprotegidas Na verdade as crianças trabalham e a questão está em distinguir as formas de trabalho legítimas – por exemplo, o trabalho escolar de aprendizagem, certas formas de ajuda familiar, algumas atividades económicas protegidas e reguladas – de outras formas inaceitáveis, restritivas de direitas e associadas à exploração. Neste texto tentamos dar conta da transformação do trabalho infantil de problema social em problemática sociológica, assinalando a evolução da literatura produzida no âmbito das ciências sociais nos últimos anos em Portugal.