'Entre a Terra e o Mar': uma etnografia visual da cultura do sargaço na comunidade piscatória de Angeiras, Matosinhos

Abstract

A apanha do sargaço constitui uma atividade imemorial, complementar à atividade agrícola, que pressupõe a recolha e secagem das macroalgas para fertilização das colheitas. Antes da aplicação generalizada dos adubos químicos, as populações rurais dedicavam-se também a esta faina agromarítima, considerada uma das formas mais eficazes de fertilização da terra. O incremento da procura deste recurso natural para fins agrícolas deu origem a um fluxo populacional crescente em seu torno e a uma aproximação gradual das gentes para junto da linha da costa. Enquanto elemento de ligação entre o espaço terrestre e marítimo, a recolha de sargaço contribuiu significativamente para a formação e fixação de aglomerados costeiros no litoral Norte português ao longo dos séculos, visto que apesar das suas motivações agrícolas, a atividade acabou por se desenvolver, económica e socialmente, em estreita relação com a atividade piscatória. Neste sentido, a presente investigação tem como objeto central de estudo as dinâmicas culturais em torno da atividade sargaceira na comunidade piscatória de Angeiras, pertencente à freguesia de Lavra, no município de Matosinhos. A instabilidade financeira e a falta de condições de vida e trabalho na região contribuíram para a formação gradual de aglomerados costeiros, cuja consolidação dependeu, significativamente, da exploração dos recursos haliêuticos. A diversidade de perfis sociológicos que estão na sua origem contribuíram para a formação de uma comunidade sociologicamente híbrida, cuja identidade é indissociável das relações estabelecidas entre a terra e o mar. Assim, com recurso a uma metodologia etnográfica e visual de análise, a presente investigação visa refletir acerca do processo de construção identitária da comunidade piscatória de Angeiras e do papel da prática sargaceira na dupla natureza agrícola e marítima das suas gentes. Detentores de um património cultural material e imaterial notável, torna-se essencial compreender o seu passado técnico, social e económico de modo a tentar descodificar um modo de vida partilhado cujos hábitos, objetos, comportamentos, políticas de género, saberes e tradições contribuem, conjuntamente, para dar conta de processos específicos de apropriação prática e simbólica do “espaço” onde a comunidade interage e se desenvolve. Para além disso, na tentativa de contrariar o atual cenário de desperdício e inutilização do sargaço que abrange a costa portuguesa, exploram-se soluções alternativas e inovadoras para o seu destino, atendendo ao potencial de aplicação das macroalgas numa série de produtos e indústrias.

The sargassum harvest is an immemorial activity, complementary to agricultural activity, which involves collecting and drying macroalgae to fertilise the soil. Before the widespread application of chemical fertilisers, rural populations also engaged in this agromaritime activity, considered one of the most effective ways to fertilise the soil. The increased demand for this natural resource for agricultural purposes led to a growing population flow around it and to people gradually moving closer to the coastline. Being a connection between the land and sea, sargassum harvest contributed significantly to the formation of coastal settlements on the northern coast of Portugal over the centuries, because, despite its agricultural motivations, the activity ended up developing, economically and socially, in close relationship with fishing activity. In this sense, the present research has as its central subject of study the cultural dynamics around the sargassum harvest in the fishing community of Angeiras, part of village of Lavra, in Matosinhos. The financial instability and the lack of living and working conditions in this region contributed to the gradual formation of coastal settlements, whose consolidation depended, significantly, on the exploitation of fishery resources. The diversity of sociological profiles at its origin contributed to the formation of a sociologically hybrid community, whose identity is linked to the relationships established between land and sea. Thus, using an ethnographic and visual analysis methodology, this research aims to reflect on the process of identity construction of the fishing community of Angeiras and the role of the sargassum harvest in the simultaneously agricultural and maritime nature of its people. Detainers of a remarkable material and immaterial cultural heritage, it becomes essential to understand its technical, social and economic past in order to try to decode a shared way of life whose habits, objects, behaviours, gender politics, knowledge and traditions, which represent specific processes of practical and symbolic appropriation of the "space" where the community interacts and develops. Furthermore, in the attempt to prevent the current scenario of waste and unusability of the sargassum on the portuguese coast, alternatives and innovative solutions are explored for sargassum’s utility, analising potential application of macroalgae in several products and industries.