Natureza da ciência em manuais escolares de ciências naturais e de biologia e geologia: imagens veiculadas e operacionalização na perspectiva dos professores e autores

Abstract

O desenvolvimento da Ciência a um ritmo progressivamente acelerado e a inerente emergência de novos riscos, que marcam os tempos actuais, colocam novas exigências à vida do cidadão em sociedade. Este vê-se confrontado com a necessidade de assumir posicionamentos críticos perante situações de natureza diversa que exigem um determinado nível de capital científico. Este capital assenta no desenvolvimento do conhecimento científico nas suas vertentes substantiva, processual e epistemológica. Esta última vertente é já reconhecida como uma das dimensões da Educação em Ciências pelos currículos portugueses dos ensinos Básico e Secundário. As evidências da adopção, quer por alunos quer por professores, de imagens da natureza da Ciência de cariz positivista exigem que os processos de formação a eles destinados promovam a reconstrução dessas imagens. O manual escolar, o principal elemento de acesso do aluno à Ciência e um dos principais instrumentos didácticos utilizado pelos professores, deverá veicular imagens de Ciência consentâneas com as perspectivas actualmente defendidas e constituir-se como um facilitador da construção dessas imagens. O presente estudo está focalizado numa vertente específica do ensino das Ciências – natureza da Ciência – e delimitado a um grupo de cinco manuais escolares: três de Ciências Naturais (7º, 8º e 9º anos) e dois de Biologia e Geologia (10º e 11º anos). O estudo inicia-se pela análise dos documentos oficiais orientadores do processo de ensino-aprendizagem das Ciências Naturais e da Biologia e Geologia, dado que são eles que estarão na primeira linha de orientação da construção de manuais escolares. Inclui mais três vertentes que incidem em diferentes olhares sobre o mesmo grupo de manuais: o do investigador, o dos professores que utilizam os manuais escolares e o dos autores. Os documentos oficiais analisados foram os seguintes: Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais, Ciências Físicas e Naturais – Orientações Curriculares do 3º ciclo do Ensino Básico, Programas de Biologia e Geologia dos 10º e 11º anos. Os manuais escolares analisados são da responsabilidade de uma mesma equipa de autores. Esta equipa colaborou no estudo através do preenchimento de um questionário e da participação numa entrevista. A visão dos professores foi obtida através de um questionário dirigido a 111 professores que, no ano lectivo de 2005/2006, estavam a utilizar os manuais seleccionados, pelo menos pela segunda vez, ou que já os haviam utilizado e se sentiam suficientemente familiarizados e capazes de colaborar. Os resultados obtidos sugerem que: - As imagens da natureza da Ciência veiculadas pelos documentos oficiais aproximam-se de perspectivas de orientação pós-positivista. - A natureza da Ciência está contemplada nos manuais escolares; a ênfase atribuída varia de acordo com o ano de escolaridade, predominando nos 7º, 10º e 11º anos. No entanto, na maioria das situações não é objecto de abordagem intencional; as imagens predominantes aproximam-se de perspectivas de orientação pós-positivista; verificam-se algumas excepções, sendo de salientar as imagens veiculadas pelas actividades laboratoriais que se aproximam de uma perspectiva de orientação positivista. Constata-se, ainda, a ausência de expressividade da natureza da Ciência nas propostas de auto-avaliação da aprendizagem dos alunos. - A percepção dos professores evidencia as seguintes situações: (1) a coexistência de imagens que se aproximam de uma perspectiva de orientação positivista e póspositivista; (2) a aproximação da maioria das imagens veiculadas a uma perspectiva de orientação pós-positivista e (3) a impossibilidade de apontar a aproximação de algumas das imagens veiculadas a uma ou a outra perspectiva de Ciência. - Os autores dos manuais escolares apontam como principais factores condicionantes da operacionalização da natureza da Ciência as directrizes emanadas nos documentos oficiais, o nível de desenvolvimento cognitivo dos alunos, a avaliação da aprendizagem dos alunos e o papel dos professores na interpretação e utilização do manual escolar. Por fim, assinala-se a importância em contemplar a natureza da Ciência através de uma abordagem intencional e de natureza reflexiva. Aponta-se, ainda, a importância em contemplar, nos processos de formação de professores, o desenvolvimento de competências de interpretação e utilização de manuais escolares, em particular a análise reflexiva das potencialidades dos manuais na construção de imagens acerca da natureza da Ciência.

The progressively accelerated development of Science and the inherent emergence of new risks place new demands to nowadays life in society. Every citizen faces the need to take up a critical stance towards different kinds of situations which require a certain level of scientific capital. This capital is built upon the development of the substantive, procedural and epistemological aspects of the scientific knowledge, and the latter is recognized as one of the dimensions of Science Education by the portuguese curriculum of Basic and Secondary education. The fact that both learners and teachers tend to adopt a positivist view of the nature of science requires that the education processes in which they get involved promote the reconstruction of those images. The textbook, which is the learner’s main means of access to Science, and one of the main didactic tools used by teachers, should convey images of Science that go along with current perspectives, and enhance the construction of those images. The present study focuses on a specific aspect of Science Education – nature of Science – and is restricted to five textbooks: three of Natural Sciences (7th, 8th and 9th grades) and two of Biology/Geology (10th and 11th grades). The study begins with the analysis of the official documents that regulate the teaching/learning process of Natural Sciences and Biology/Geology, since they constitute the main guidelines for the construction of the textbooks. It also includes the analysis of each group of textbooks from the point of view of the researcher, some teachers who use it, and their authors. The documents analysed were the following: National Curriculum for Basic Education – Essential Competences, Physical and Natural Sciences – Curricular Guidelines for the 3rd cycle of Basic Education, and Biology/Geology Syllabuses for the 10th and 11th grades. The textbooks under analysis were designed by the same team of authors. This team contributed to the study by answering a questionnaire, and through an interview. The teachers’ view was obtained by means of a questionnaire aimed at 111 teachers who were using the selected books in the school year of 2005/2006, at least for the second time, or who had already used them and felt able to cooperate. The obtained results reveal the following: - The images of the nature of Science conveyed by the official documents come close to post-positivist perspectives. - The nature of Science is included in the course books; emphasis placed on it varies according to school year, being predominant in the 7th, 10th and 11th grades. However, in most situations it is not intentionally dealt with; the predominant images come close to post-positivist perspectives; some exceptions can be found, mainly in the case of the images conveyed by positivist oriented laboratory activities. It can also be noticed that the nature of Science has no expression in the self-evaluation proposals. - The teachers’ perception highlights the following situations: (1) the co-existence of images that come close to post-positivist and positivist perspectives; (2) approximation of most conveyed images to a post-positivist orientation; (3) the impossibility to determine whether some of the conveyed images come close to one or the other perspective of Science. - As the main factors that condition the operationalization of the nature of Science, the authors of the course books point out the directives that emerge from the official documents, the level of the learners’ cognitive development, the evaluation of learning, and the teachers’ role in the interpretation and use of the textbook. Finally, the study highlights the need to approach the nature of Science in an intentional and reflective way. It also suggests that teacher education programmes should include the development of competences to interpret and use the textbooks, especially the reflective analysis of their role in the construction of images about the nature of Science.